terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A novela e o tempo

Eu tenho um tio que tá doente. Meu tio do coração. Um pai de juízo. Sempre conversamos muito e ele sempre me deu toques inesquecíveis. Quando ele se descobriu doente, ele mesmo disse que só tinha 1 ano e meio de vida. Isso já faz dois anos. Ele é forte. Ele enfrenta a doença com uma dignidade absurda. Ele geme de dor e ri de qualquer besteira. Ele é um gigante. Ele não se lamenta.

Como cantiga de grilo, sempre vamos assistir à novela das oito com ele. Já passamos pela Favorita, Caminho das Índias e agora estamos em Viver a Vida. Agora estou grávida. Vou lá na casa dele e vejo a morte, essa onça rondando em círculos. Vou com o bucho cheio de vida. Vou e vejo uma vida se concluindo e sinto outra se remexendo aqui dentro, uma que se principia.

Eu penso que essa danada dessa onça deve ter lá a hora dela, como tudo na vida. E penso também que ninguém quer a presença dela, apesar de todo mundo saber que ela chega. Penso que o melhor mesmo é se saber completo. Fiz tudo que pude na minha vida. Amei, fui feliz, criei filhos, estudei e passei conhecimento, trabalhei por mim e pelos outros, dei carinho, brinquei inúmeros carnavais, fiz mal natural e bem infinitamente maior, errei e pedi perdão e sou alguém de quem eu mesmo posso me orgulhar.

Pronto, meu tio é isso aí. Ainda bem que ele existe na minha vida e já existe na de Inês também. Tenho fé que vamos tirar uma foto juntos pra guardar esse encontro do tempo e do amor.

Meu tio é o cara.

O Filho Que Eu Quero Ter

Composição: Toquinho/ Vinicius de Moraes

É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim chorando acalentar o filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem


De repente eu vejo se transformar num menino igual à mim
Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim
Um menino sempre a me perguntar um porque que não tem fim
Um filho a quem só queira bem e a quem só diga que sim
Dorme menino levado, dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado de tanta dor que ele tem


Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro bei..jo seu
E ao sentir também sua mão vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme meu pai sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado, com o filho que ele quer Ter.